O Bairro do SIM em Feira de Santana: Urbanização, Contradições e Segregação no Capitalismo Tardio
O Bairro do SIM em Feira de Santana: Urbanização,
Contradições e Segregação no Capitalismo Tardio
A urbanização brasileira reflete, em suas formas e contradições, a
lógica do modo de produção capitalista. Em Feira de Santana (BA), cidade-polo
do interior nordestino, o bairro do SIM tornou-se exemplo emblemático do avanço
seletivo do capital imobiliário sobre o território urbano. O bairro, que
concentra empreendimentos residenciais fechados, hospitais privados,
instituições de ensino superior e grandes avenidas, representa a materialização
da cidade fragmentada, funcional à acumulação de capital e hostil ao direito à
cidade. Este artigo propõe uma leitura crítica do SIM à luz da teoria marxista
do espaço urbano, abordando suas dinâmicas fundiárias, suas contradições
socioespaciais e os impactos sobre o transporte público e a mobilidade popular.
A expansão do bairro do SIM está diretamente associada à valorização
da terra urbana e à conversão do solo em ativo financeiro. Em consonância com
Harvey (2005) e Lefebvre (2001), entende-se que o espaço urbano, no
capitalismo, é apropriado pelo capital por meio da urbanização orientada pela
lógica do lucro, e não pelas necessidades sociais. O SIM foi projetado e
promovido como território de “qualidade de vida,” atraindo investimentos de
grandes construtoras, redes de ensino privado e setores da elite local. Como
consequência, o preço da terra aumentou de forma vertiginosa, tornando inviável
a permanência de moradores tradicionais da zona rural, cujos vínculos com a
terra eram de uso e não de propriedade formal. Houve, assim, um processo de
substituição social do território, sem resistência visível, o que revela o
poder simbólico e material do capital.
Embora o SIM concentre equipamentos de alto padrão e seja
intensamente ocupado por serviços privados, o sistema de transporte público de
passageiros é visivelmente frágil. As linhas de ônibus que atendem ao bairro
são esparsas, mal integradas, e com baixa frequência, sobretudo nos horários
noturnos e finais de semana. A infraestrutura de transporte coletivo não
acompanhou o ritmo da construção de moradias e atividades comerciais, ou seja, da
ocupação intensiva do solo urbano, revelando o descompromisso do planejamento
urbano com a mobilidade popular. Isto acaba provocando uma imobilidade urbana
que deixa os moradores sem opções de acessar a cidade.
A população trabalhadora formada por empregadas domésticas,
trabalhadores da construção civil, entregadores de aplicativos e vigilantes —
enfrenta jornadas ampliadas, com tempo excessivo de deslocamento e insegurança
nos trajetos, especialmente nos trechos mal iluminados ou sem abrigo nos pontos
de parada. A mobilidade no SIM, portanto, é profundamente seletiva e excludente.
A duplicação da Avenida Artêmia Pires Ferreira é apresentada, no
discurso oficial, como uma resposta técnica ao aumento da circulação viária no
SIM. Contudo, à luz da crítica urbana, a intervenção representa uma
intensificação do modelo de cidade segregada, revelando uma expressão clara da
priorização do transporte individual em detrimento do transporte coletivo e da
mobilidade ativa.
A precariedade do transporte coletivo e a priorização do transporte
individual no bairro do SIM não são falhas técnicas, mas expressões materiais
da lógica de reprodução do capital na cidade. Inspirando-se nas críticas de Jane Jacobs e David Harvey, é possível
afirmar que obras como essa reforçam o modelo de cidade para os carros e para
as elites, enquanto a maioria da população segue desassistida. A duplicação não
contempla faixas exclusivas de ônibus, ciclovias contínuas ou calçadas com
acessibilidade universal. A circulação fluida serve aos moradores de
condomínios e veículos particulares, mas não aos trabalhadores que ali transitam
a pé ou de transporte público.
Além disso, do ponto de vista da economia
urbana, trata-se de um investimento público que atua como alavanca para a
valorização imobiliária, favorecendo a reprodução ampliada do capital no setor
da construção civil e do comércio de terrenos, em vez de ser canalizado para
políticas públicas voltadas ao conjunto da população.
O
bairro do SIM, em Feira de Santana, constitui um caso paradigmático do
urbanismo neoliberal brasileiro. Sua conformação territorial reflete a lógica
do capital: expansão seletiva, valorização imobiliária, expulsão de populações
de baixa renda, concentração de infraestrutura voltada às elites e
marginalização da mobilidade popular. A análise crítica, ancorada em autores
como Lefebvre e Harvey, permite desvelar as múltiplas camadas de segregação
inscritas nesse espaço urbano. A duplicação da Avenida Artêmia Pires é apenas o
exemplo mais visível de uma política urbana orientada pela fluidez dos
automóveis e não pelas necessidades da maioria. Enquanto a circulação de
veículos particulares é facilitada, o transporte coletivo permanece
precarizado, com número insuficiente de veículos, baixa frequência e ausência
de integração com o restante da cidade. A ausência de
resistência organizada no território, longe de indicar consenso, revela o grau
de hegemonia do capital sobre o espaço urbano e a fragmentação social que
dificulta o surgimento de lutas coletivas. Frente a isso, o artigo propõe
alternativas concretas para uma mobilidade socialmente justa: requalificação
viária com prioridade ao transporte coletivo, reorganização territorial com
inclusão habitacional, criação de instrumentos de planejamento participativo e
adoção de uma política pública voltada ao direito universal à cidade.
O SIM não precisa ser apenas o símbolo de uma cidade
partida. Com vontade política, controle social e planejamento popular, é
possível resgatar a função social da cidade e garantir que o espaço urbano
sirva à reprodução da vida — e não apenas à reprodução do capital.
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